terça-feira, 8 de março de 2016

Envelheço mais rápido que o calendário, e assim fico preocupada com décadas passando em um ano
Tenho medo de morrer jovem.
Mas se acontecer terei sido feliz.
A maturação transcorrida nos anos vividos ao seu lado impressiona
Quase imperceptível
Fantasticamente notável
Já vinha acontecendo antes de ti, mas se acelerou
Agucei olhares e ouvido, espraiei o coração
Posso ter julgamentos e mágoas, confusões e falhas
Mas me tornei especialista da arte de não se permitir errar
E quero mudar isso.
Talvez este seja um sinal de evolução.
Evoluir é diferente de envelhecer
Estou velha mas não tão sábia
Pelo menos não tão leve quanto os sábios são.
Quando me deu um ombro pra chorar, abriram se as comportas dos meus medos, que vieram todos correndo para a sombra de sua proteção
Quando me deu permissão para errar me deu a ideia de protestar e a dúvida do que era erro e o que era acerto
Quando me deu coragem para acreditar que meu barco não era tão furado, eu pude navegar e sorrir pela primeira vez
Quando me deu seu coração, eu o eu segurei com toda a alma quando descobri que sabia amar, e que tinha uma força enorme aqui dentro guardada justamente pra isso.
Evoluir é diferente de envelhecer.
Doso a criança que habita meu peito mas desconfio ser atitude de gente velha
Mas, ah...
Eu tento.
Tento rejuvenescer ao seu lado
Pra não morrer tão jovem - nem temer a possibilidade.

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Deus

Quando eu era criança, minha avó me ensinou a não tolerar a imperfeição. Não sei se era exatamente essa a sua intenção, mas dentro da minha cabeça se firmou como mandamento: não errarás.
Isso, consequentemente, me levou ao seu antônimo. Aprendi a me esfolar, ao preço que fosse, em busca da perfeição. Seu significado, sua ira impetuosa, suas conjunções e desafios.
Nós duas, eu e minha avó, sofremos as dores de não sermos perfeitas. Ouvimos as cobranças, sentimos o peso de perseguir algo inalcançável sem, no entanto, questionar.
Não sei precisar se isto é um ataque a si mesmo, ou um mecanismo de defesa duvidoso porém inesperadamente eficaz. Talvez um pouco dos dois, para mim mais o segundo.
As pessoas desenham as coisas a seu modo, refazendo freneticamente o mundo com as cores que são capazes de lidar.
E então num Ser maior que si, muito maior, imputam suas maiores tragédias íntimas, insanidades ocultas e distorções de caráter.
Deus vem para salvar, castigar, mandar, zelar, até mesmo açoitar o mundo com raios. Cheio de ritos, controvérsias, incongruências, mal entendidos, soberania.
Raramente em nome da paz.
Estranho.
São dias tão imperfeitos, tempos tão nefastos, que uma de nós já sucumbiu e a outra está, mais uma vez, por um fio.
Continuamos nos agarrando ao nosso Deus, embora não nos permitam e nos julguem indignas de sua benevolência. Subvertemos. É patético.
Além do mais, estive pensando, pintar Deus como um ser que pune quem não O adora é dizer que Ele, contraditoriamente, é tão frágil quanto nós.
Pois acredito sermos tão falíveis justamente por não acreditarmos em nós mesmos. Por colocarmos a opinião de uma plateia voraz sempre antes e acima de tudo.
E punir quem não nos ama.
Quem não concorda com nossas ideias insanas de mundo.
De Deus.
Do que é ser feliz.
De perfeição.


Que o pedaço escuro do percurso seja breve.
Amém. 

sábado, 9 de maio de 2015

Eu sei que é você


Uma borboleta azul, branca e preta caiu acidentada no meu quintal. Depois de aventuras e fortes emoções foi resgatada. Se abriu como uma flor e repousou na cadeira para descansar e se recuperar. Pude notar sua asa ferida, suspeitei que estivesse morta. Encarei-a por alguns segundos e ela bateu as asas para mim como se dissesse "estou bem". Sorri e a deixei em paz.
Depois de um longo período ela se levantou da cadeira e pousou no batente da porta, foi subindo devagar, decorando os riscos da madeira, conhecendo a casa. No fim da noite ela sumiu.
Saí de casa no dia seguinte e, quando voltei, lá estava ela na garagem. Provavelmente tentou ir embora mas não conseguiu. Mais um dia se passou e ela continua no mesmo lugar.

Seus olhos agora nada miram com certeza. Seu olhar é vago, transita entre o ontem e o agora. Você nos deu vários motivos para acreditar que aquela seria a última vez que a veríamos, no entanto, por alguma razão, nunca era.
Essa é a primeira vez que seu corpo não reluta mais. Que suas mãos não buscam a margem. Você permitiu que sua audição diminuísse, que se afastasse do mundo.
Agora vê seus antepassados mais perto, sente que ainda tem algo a resolver, mas está a cada dia menos teimosa. Seu coração começa a se acalmar e entrar em sintonia.
Eu sou a única com quem você ainda conversa. Sou o fio que te liga a este lado, sua conexão com suas preocupações e seu afeto.
Iremos, juntas e delicadamente, afrouxar nosso laço até que desate, por hora, e você possa sentir que pode adormecer.
Te levarei por onde eu andar.
Atenta às borboletas que você disse que seria.
Espero em paz o seu momento de alçar vôo.

E quando eu chorar será só saudade.



quarta-feira, 1 de abril de 2015

Conto do absurdo

Não foi rápido, mas muita gente não teve tempo de perceber.
Ou não quis perceber enquanto ainda era tempo.
Depois de formar a bancada evangélica, alianças com a burguesia e a multiplicação acelerada de fiéis, o congresso foi tomado. A palavra laico foi até excluída do dicionário, por precaução, para prevenir que as futuras gerações sequer soubessem o que foi isso. Um exército foi criado.
Evidentemente, ateus, católicos, espíritas, umbandistas, e até alguns evangélicos lúcidos, tantos, muitos não aceitaram. Era tarde demais para querer qualquer coisa. Ela cresceu digna de um Megazord do Power Rangers. Montada de pernas de aço e um escudo que formava a palavra fé. Fé em quê? Ninguém sabia mais, mas era o que ditavam a televisão, os professores, as pessoas nos ônibus e padarias, se não se cumprimentassem com “a paz” haveria guerra, e das feias!
A população foi ficando cada vez mais assustada, havia medo de se declarar não-protestante, pois todos sabiam dos castigos e punições, das prisões por “evangélicofobia” e na intenção de se instaurar uma lei de queimada de bruxas em praça pública.
A Igreja Católica vendo aquilo enlouqueceu. Foi se deixar levar pelos anos e enfraquecer sua monarquia e agora assistia à tudo aquilo correndo de um lado para o outro, acuada e enfurecida.
Um dia marcaram um duelo no centro da capital do país. A beira de uma síncope gritou a indignada a plenos pulmões para a rival: “QUEM TE DEU AULAS NESSES ANOS?” E ela com supremacia e extrema satisfação respondeu: “Você! Nos livros de história!” e soltou uma gargalhada maligna e gélida, digna de um Mumm-Rá, Esqueleto, ou coisa que os valha.
Uma chacina sem tamanho se ocorreu daí. De um lado o desespero pelo rumo que as coisas  haviam tomado, do outro a palavra de Jesus, a fé, os dez mandamentos, a Bíblia, os cânticos, a venda de indulgências, os jesuítas, a busca pela supremacia, a inquisição, a expansão territorial, o século XII...  ...  ... um momento.
Acho que me perdi na história.
Bem,  o fato é que depois de fazer escorrer o sangue de toda a gente as duas explodiram num BUM!
E a Terra virou só silêncio e desolação.
Em nome de Jesus todos morreram sem sequer saber que ele lá em cima já tinha sofrido três infartos vendo tamanha insanidade.
Deus em seu lugar veio e juntou os pedacinhos da humanidade.
Fez uma prece silenciosa e disse: 
“Que vergonha vocês sempre me fazem passar!”.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Pra você


Olho em seus olhos por uma fração inacreditável de tempo, tão pequeno quanto sua pinta que adorna o rosto, e nesse instante sinto com toda a força como sou feliz em estar aqui, com você.
Vivemos já tanta coisa e eu guardo em mim tanto significado que já não é mais possível apagar seu nome da minha estrada.
Se a vida nos separasse, por algum desencontro ou infelicidade, sem pedir licença você continuaria sempre aqui. Compacta como és, caberia em qualquer canto, e por ser tão cheia de encanto, mesmo que por azar alguma mágoa houvesse ficado, suas marcas me impediriam de não amar você um pouco.
Te acho uma pessoa tão extraordinária que sei que em minha vida não haverá outro alguém igual. Nem se eu dissesse o contrário; jamais acreditaria em minhas próprias mentiras.
Pensei nisso hoje enquanto namorava o seu cabelo. Nesses segundos em que te olho e vago no teu vasto ser.
Você é tudo aquilo que me mantém próxima de mim, e eu gosto disso. Eu te amo como nunca achei que fosse capaz de amar. Com você há metamorfose, sou primitiva, sou luz, sou o que ninguém espera, sou eu e nenhum ponto a mais.
Te acho a pessoa mais bonita desse mundo, te admiro até sentir meu coração doer.
Te amar dói a dor de um parto. Daquela que se deseja, que explode em felicidade mas não deixa de ser aguda.
Nasce de mim uma emoção diferente a cada vez que ouço seu coração bater em meu ouvido.
Amar você foi e é, a coisa mais linda e mais difícil que já fiz.
Me sinto eufórica, na ponta do topo do mundo, prestes a transbordar, se você diz que sou capaz eu não duvido
Sinto que nasci pra te ver sendo feliz.


sábado, 20 de setembro de 2014

Flores de plástico

Quem quer ser flor de plástico pra se tornar imortal? 
Deixar de ser, ver, ouvir e sentir pra viver imune à vida. 
Que graça tem?
Vão-se as tristezas mas junto vai a alegria. 
As dores de uma flor de pétalas e espinhos não existem, mas o brilho também não. 
Todo rosto corado passa por um banho de lágrimas leitosas pra se hidratar. Sem a chuva preparatória o sorriso resseca no ardor do sol. 
O beija-flor pode incomodar com carinhos roubados e inconvenientes mas quem trocaria sua beleza por um espanador de pó? 
Flores de plástico acumulam poeira. 
As outras se deixam voar junto com o vento.
Quem então escolheria ser flor de plástico pra ver o mundo passar da mesa de centro de uma sala vazia?
E eu respondo: muita gente. 
Você certamente conhece, eu também, assim como já fui uma. 
A gente acha que fugir da injeção é escapar da dor, e não percebe que assim se aproxima da doença. Troca a dor momentânea por uma maior. 
Viver é a melhor maneira de aprender a viver. Encaremos a dor sentindo-a. 
As flores de plástico são eternas. Porém solitárias em sua exclusiva existência que não ramificou. 
Somos mortais, mas podemos dar frutos. 
Entretanto, deixar sementes exige sacrifícios. Com a delicadeza e força da flor, naturalmente desprendida do mundo, vamos aprendendo o ciclo. Tentar sucessivamente, ao sabor da brisa em cada primavera, a se renovar, despertar e fluir.


segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Tempo de chover


Nem sempre a gente quer alguém que nos console.
As pessoas tendem a acreditar que a atitude correta é enxugar avidamente as lágrimas do queixoso e dizer que no final tudo acaba bem, que todo mundo tem seus problemas e "bola pra frente".
Nem sempre.
Às vezes a gente simplesmente não está a fim de ser otimista. É necessário, e purificador, ter um espaço para tão somente desaguar.
Sem mais delongas e explicações, conformismos e frases de efeito.
Deixe que a minha mágoa escorra e corra livre pelos meus poros.
Que o meu cansaço seja escoado para que não me esgote.
Que seja sem jeito, irremediável, dolorido enquanto dure o infinito de uma crise. Uma seção de soluços, assoar de nariz e dor de cabeça.
Seguido de um suspiro e, só aí, o retorno à margem da razão.
Mas antes disso, por favor, deixe minha tristeza transbordar.

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